Guilherme Perez Pinheiro é atualmente pesquisador de pós-doutorado na FCF, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, por meio do Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) Pós-Doutorado Estratégico

Publicado na Edição 707 do Jornal da Unicamp, link | Texto: Mariana Garcia Foto: Antonio Scarpinetti

Estudo detalha diferenças na composição antioxidante de duas espécies da planta medicinal

Uma pesquisa de doutorado que analisa a composição metabólica de duas plantas medicinais distintas – ambas conhecidas como saião e utilizadas no Brasil para os mesmos fins – revelou diferenças significativas na quantidade e na variedade de seus componentes com ação antioxidante, sobretudo flavonoides e fenóis. O estudo, realizado por Guilherme Pinheiro no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, comprovou que a Kalanchoe pinnata e a Kalanchoe crenata não devem ser empregadas de maneira intercambiável. O trabalho apontou, ainda, a presença de compostos bioativos em plantas ornamentais do mesmo gênero taxonômico, o que indica uma potencial ação terapêutica.

O trabalho de Pinheiro integra uma linha de pesquisa dedicada a investigar a composição fitoquímica das plantas medicinais mais populares no Brasil, em curso no Laboratório de Metabolômica e Espectrometria de Massas (LabMetaMass) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp. “O objetivo foi construir um arcabouço de compostos químicos, muitos dos quais ainda não registrados na literatura, para pesquisas futuras sobre substâncias bioativas, como são chamadas as moléculas e os compostos moleculares produzidos por vegetais que, quando ingeridos por nós, produzem efeitos benéficos ou nocivos para o nosso organismo”, afirma o pesquisador. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o estudo foi orientado pela professora da FCF Alexandra Sawaya, coordenadora do LabMetaMass.

A primeira descoberta de Pinheiro se deu no início do estudo. Logo após receber as mudas com as quais trabalharia, adquiridas de produtores de plantas medicinais, o biólogo e sua orientadora constataram que duas espécies diferentes estavam sendo comercializadas com o mesmo nome popular e, portanto, com o mesmo propósito. Encontradas em toda a extensão do território brasileiro, a K. crenata, uma planta nativa, e a K. pinnata, originária da África, são comumente usadas para tratar problemas respiratórios e gastrointestinais, além de feridas. Todavia, o consumo deve ser feito com parcimônia. “É muito comum, quando alguém descobre que o saião faz bem para dor de estômago, por exemplo, passar a comer todo dia. Por tradição, sabemos que são espécies seguras e medicinais. Porém, dependendo da concentração, há um potencial tóxico”, alerta Sawaya.

Praticamente idênticas quando brotam, basta começarem a se desenvolver para que despontem as primeiras singularidades. Ao acompanhar a evolução das mudas, Pinheiro notou o surgimento de diferenças morfológicas relevantes nas folhas – a parte utilizada para fins fitoterápicos – e decidiu conduzir um estudo com o objetivo de conferir se as espécies possuíam as mesmas propriedades. Para tanto, coletou folhas de cada espécie em cinco estágios distintos de desenvolvimento – do mais jovem ao mais maduro – e preparou um extrato específico para cada uma. Todas as soluções foram submetidas à análise metabolômica, processo que permite examinar o conjunto de metabólitos, ou seja, moléculas resultantes da metabolização das substâncias de um organismo. “Os compostos usados na produção de fitoterápicos são todos originados do metabolismo da planta”, justifica.

“A metabolômica abrange toda a variabilidade da composição química de um organismo. Não se concentra em nenhum composto específico, mas no maior número possível. Assim, é possível trabalhar de um ponto neutro, a partir do que a planta traz e do tratamento dado a essas informações, e identificar quais marcadores são relevantes ou não, em relação à genética, ao cultivo e à idade da folha, por exemplo”, explica Sawaya. Seu estudo envolve tanto os produtos resultantes do metabolismo primário do vegetal – açúcares, lipídios e outras substâncias básicas para suas funções essenciais –, como também os metabólitos secundários, envolvidos em funções diversas, como a proteção contra patógenos e a interação com o ambiente. “Esses são os principais envolvidos com as propriedades terapêuticas”, pontua o biólogo.

Para diferenciar os metabólitos de cada extrato, Pinheiro combinou o emprego de duas metodologias, a cromatografia e a espectrografia de massa. Enquanto a primeira separa cada composto químico presente em uma solução, a segunda fornece a relação entre massa e carga das moléculas desmembradas. “A metabolômica trabalha com um volume muito grande de amostras e olha para milhares de coisas de uma vez, o que gera um resultado de alta complexidade. Foram levantados mais de 2 mil compostos por amostra”, destaca. Após consultar bancos de dados, o biólogo listou centenas de fórmulas e elaborou uma proposta de composição para cada uma.

O resultado da comparação metabolômica da K. crenata e da K. pinnata mostrou que, em todas as fases do desenvolvimento, os extratos preparados com as folhas da planta africana apresentaram maior atividade antioxidante e mais fenóis e flavonoides – duas classes de compostos químicos que possuem ação bioativa comprovada – em relação às soluções correspondentes da espécie brasileira. A análise também mostrou que os extratos de folhas mais jovens apresentaram maior potencial fitoterápico, independentemente do vegetal avaliado. “Como muitas pessoas confundem as duas plantas, utilizando uma pensando ser a outra, é importante que saibam dessa diferença, pois a K. pinnata contém uma quantidade de bioativos muito superior, principalmente quando as folhas novas são consumidas”, sinaliza Sawaya.

Dada a superioridade antioxidante da K. pinnata, Pinheiro conduziu um novo experimento, focado exclusivamente na planta africana, dessa vez para avaliar a resposta de seu metabolismo a certas alterações ambientais. Trabalhou, então, com duas variáveis controláveis – água e luz – e cultivou as mudas em seis cenários distintos. Em três deles, modulou a disponibilidade hídrica; no restante, a luminosidade. “Não houve variabilidade entre indivíduos, porque usamos clones”, esclarece o pesquisador. Passados 15 dias, Pinheiro analisou a metabolômica de todos os grupos, repetindo o processo anterior. “Vimos que todas as mudas se mostraram parecidas quimicamente, o que revela tratar-se de uma espécie bastante estável. No universo das plantas medicinais, esse resultado é excelente, pois confirma que é possível cultivá-la em casa, no campo ou em outros ambientes. As propriedades permanecerão relativamente intactas”, pondera a orientadora.

Para concluir a pesquisa, Pinheiro combinou a abordagem metodológica anterior com um trabalho de bioprospecção, para o qual utilizou um software que fornece um prognóstico do potencial de bioatividade de compostos químicos, e fez o levantamento do potencial medicinal de outras 21 espécies pertencentes ao gênero Kalanchoe, todas comercializadas como plantas ornamentais. O pesquisador listou centenas de compostos, alguns dos quais ainda não identificados na literatura acadêmica, e elencou quais dessas espécies têm maior probabilidade de aproveitamento como fitoterápicos.

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