Texto: Edimarcio A. Monteiro | Foto: Flávia Luísa Dias (Correio Popular)

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Pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revela a viabilidade do uso do vírus zika no combate ao câncer de próstata, o mais comum em homens acima de 50 anos. O estudo, que mostra que o patógeno tem a capacidade de inibir a proliferação do tumor, teve início em 2019, sendo pioneiro no mundo nessa área. Os resultados obtidos foram publicados recentemente no Journal of Proteome Research, revista científica da Sociedade Americana de Química (American Chemical Society, em inglês). “Os resultados obtidos confirmam a viabilidade de um potencial tratamento do câncer de próstata”, garante o coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp, Rodrigo Ramos Catharino.

O tumor é predominante em todas as regiões do país. Até 2025, 72 mil novos casos devem ser registrados a cada ano, de acordo com estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A projeção aponta para um aumento de 13,91% em relação à média de 65.840 casos constatados no triênio 2020-2022. Levando em conta os homens de todas as idades, o câncer de próstata é segundo mais comum, atrás apenas do de pele não melanoma.

Pesquisadores da Unicamp, liderados por Catharino, passaram a estudar o vírus zika após o surto de infecção no Brasil em 2015, quando o mico-organismo foi associado ao aumento de casos de microcefalia em bebês no Nordeste após a contaminação das mães durante a gravidez. O patógeno é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e da chikungunya. Os estudos buscavam avaliar os efeitos em diversos tipos de fluídos humanos, como a saliva, e investigar o potencial das células da próstata como reservatório viral. 

Durante a pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi constatado o uso potencial do vírus zika como arma contra o câncer de próstata. Mesmo após ser inativado em alta temperatura, foi verificado que o vírus é capaz de inibir a proliferação de células tumorais. O trabalho publicado na revista científica analisou os efeitos do patógeno nas células da próstata sadias e atingidas pelo câncer. No entanto, a pesquisa mostrou que o vírus pode levar a um processo inflamatório persistente em células saudáveis, com efeitos danosos ao sistema reprodutor masculino.

Próximo passo 

“Agora, temos estudar a quantidade certa a ser usada, o melhor momento de exposição, fazer as adequações necessárias para evitar esse efeito colateral e definir a forma correta de uso como tratamento”, explica o pesquisador da Unicamp. De acordo com Catharino, esse próximo passo da pesquisa ainda será em laboratório para avaliação dos prós e contras antes da utilização em organismos complexos, como seres vivos. 

Ele explica que “ainda é cedo” para se ter uma previsão de quando o tratamento poderá estar disponível para o homem. A pesquisa envolve a exposição das células saudáveis e tumorais ionizadas em um espectrômetro de massa de alta resolução, que permite que se conheça com precisão as massas de substâncias químicas. Com isso, o aparelho revela os efeitos após a exposição do vírus zika em três tempos diferentes: cinco, dez e 15 dias após a infecção. 

No caso dos carcinomas, os efeitos surgem já no primeiro período, o que indica seu caráter anticâncer. A morte das células do tumor foi progressiva nos três estágios de exposição. Já a inflamação nas células saudáveis ocorre quando a infecção é prolongada. Nesse caso, há alterações marcantes do metabolismo, especialmente em glicerolipídios, ácidos graxos e acilcarnitinas, com o uso a longo prazo podendo ocasionar o próprio câncer de próstata. 

“Todas essas questões devem ser e foram fundamentalmente levantadas nessa fase de teste para que futuros pacientes que optem por tratamentos desse tipo possam ter todas as informações necessárias”, ressalta Catharino. Além disso, acrescenta, as próximas etapas da pesquisa podem apontar os meios para evitar esse efeito colateral. Além do apoio da Fapesp, os pesquisadores buscam outras fontes de fomento e recursos junto à iniciativa privada para a evolução da pesquisa.

A doença 

“No Brasil, o câncer de próstata atinge um em cada seis homens, ou seja, é um problema bastante comum”, explica o oncologista Fernando Maluf. No entanto, somente um homem em cada 41 morrerá da doença. “Ele é responsável por cerca de 10% de todas as mortes provocadas por câncer em pacientes do sexo masculino no Brasil, ficando atrás apenas do tumor de pulmão”, acrescenta o médico. 

De acordo com ele, o avanço do tumor é gradual e ocorre lentamente. Quando a doença não é diagnosticada, passa a invadir as estruturas ao redor, como as vesículas seminais, a bexiga e o reto. Em casos mais avançados, pode atingir, através dos vasos sanguíneos, os ossos e depois o fígado e o pulmão, configurando metástase. “Doenças muito avançadas, em geral, são situações onde não foi percebido, através dos sintomas, que o tumor estava se desenvolvendo ou aquele homem não fez o acompanhamento regular que foi recomendado”, alerta o oncologista. 

A próstata é responsável pela produção dos nutrientes e fluidos que constituem o esperma. O diagnóstico da doença é feito através do exame de toque retal, ultrassonografia da próstata e checagem do PSA (antígeno prostático específico), marcador tumoral detectado por exame de sangue. Em tumores mais volumosos, o paciente sente dificuldade para urinar, ardor e jato urinário fraco, acorda várias vezes à noite para urinar, apresenta gotejamento de urina e, mais raramente, queixa-se de dor e da presença de sangue na urina e no esperma. 

Os homens sem risco maior de desenvolver câncer de próstata devem começar a fazer os exames preventivos aos 50 anos. Já as pessoas com familiares portadores da doença diagnosticada antes dos 65 anos apresentam alto risco de desenvolver o tumor. Por isso, devem começar o acompanhamento médico aos 40 anos. Os descendentes de negros apresentam maior risco de ter o tumor e devem começar a fazer os exames aos 45 anos. 

Fazer uma alimentação balanceada e praticar exercícios físicos regularmente são recomendações importantes para se prevenir a doença. O tratamento depende do tamanho e da classificação do tumor, assim como da idade do paciente. As terapias disponíveis atualmente podem incluir a remoção cirúrgica da próstata, radioterapia, hormonoterapia e uso de medicamentos. De acordo com o Inca, o tabagismo, consumo excessivo de álcool, exposição solar sem proteção, infecção pelo vírus HPV e imunossupressão estão entre os fatores de risco para a doença.

Zika 

Em 2015, durante uma epidemia de zika e o aumento de casos de microcefalia nos estados do Nordeste, estudos confirmaram a capacidade do vírus de infectar e destruir as células progenitoras neurais, que nos fetos em desenvolvimento dão origem aos diversos tipos de células cerebrais. No final do ano passado, um estudo revelou que aproximadamente um terço dos filhos de mães infectadas durante a gravidez apresentou, nos primeiros anos de vida, anormalidades consistentes com a Síndrome da Zika Congênita (SZC).

O trabalho foi realizado por uma equipe formada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de outras 25 instituições do Brasil, com apoio da London School of Hygiene & Tropical Medicine. “As manifestações da síndrome envolvem deficiências neurológicas funcionais, anormalidades de neuroimagem, alterações auditivas e visuais e microcefalia. Tais disfunções aparecem mais frequentemente de forma isolada do que em combinação, com menos de 0,1% das crianças expostas apresentando duas delas simultaneamente”, divulgou a Fiocruz. 

O vírus zika foi isolado pela primeira vez em macacos na Floresta Zika de Kampala, em Uganda, no ano de 1947. O primeiro caso de infecção humana foi relatado na Nigéria em 1953. Desde então, o patógeno expandiu sua abrangência geográfica para vários países da África, Ásia, Oceania e Américas. 

Após o registro de 4.129 casos de zika no Brasil em 2015, com 1.046 mortes, atingindo o pico de 8.587 notificações e 605 vítimas fatais em 2016, os números da doença decaíram no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, 419 casos foram registrados em 2022, sem nenhum óbito. O Estado de São Paulo não teve nenhum paciente com zika no passado.

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