Publicação original da Agência de Inovação da Unicamp — Inova

Texto: Christian Marra – Inova Unicamp | Fotos: Igor Alisson – Inova Unicamp

Em fase de experimentos com camundongos, método desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp mostrou capacidade de modular o microambiente de tumores e reduzir o crescimento de cânceres; tecnologia ainda precisa ser licenciada por empresas para que as pesquisas avancem antes de ser testada com humanos

Na medicina, apesar dos avanços no controle de alguns tipos de cânceres, os tratamentos disponíveis ainda são limitados, especialmente nos casos de tumores sólidos, que apresentam maior resistência à ação dos medicamentos. As quimioterapias, por sua vez, prolongam a sobrevida, mas em geral causam efeitos colaterais severos e são, muitas vezes, insuficientes para erradicar a doença.

Diante desses complexos desafios, uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Campinas (FCF Unicamp) está trabalhando no desenvolvimento de uma nova técnica para fortalecer a resposta imunológica contra o câncer. Para isso, a equipe vem usando um peptídeo (molécula formada pela união de dois ou mais aminoácidos) que foi isolado do veneno da aranha-armadeira, batizado de LW9. Até o momento, nos testes realizados com animais, essa molécula mostrou capacidade de modular o microambiente tumoral, tornando-o menos favorável ao crescimento e à disseminação do tumor.

“Nos experimentos com camundongos, nós identificamos uma fração do veneno que não mata as células tumorais diretamente, mas modula o sistema imunológico. Isso significa que a molécula ajusta o nível de inflamação do tumor em seu microambiente. Essa capacidade de modulação da molécula permite conter a expansão do tumor”, explica a professora da FCF, Catarina Rapôso, coordenadora do estudo, que também teve participação da doutoranda da FCF, Ingrid Trevisan.

Rapôso também observa que a molécula isolada do veneno da aranha não se mostrou tóxica às células dos animais testados. Inicialmente, ela foi extraída do veneno natural para a pesquisa, mas hoje ela é sintetizada em laboratório, com a mesma eficácia registrada nos testes.

Benefícios do novo método no combate ao câncer

Entre os principais benefícios proporcionados pela molécula LW9 estão a redução significativa do crescimento tumoral e a ausência de efeitos adversos nos modelos testados. “Nesses testes, verificamos que, mesmo usando o veneno bruto em doses muito pequenas, os animais não apresentaram sinais de envenenamento. Pelo contrário: mostraram uma melhora geral, alimentando-se melhor e ganhando peso”, relata a pesquisadora. A partir desse resultado, a equipe se concentrou na purificação do composto ativo e, posteriormente, na síntese laboratorial da molécula.

Ainda segundo a professora, a LW9 traz uma abordagem diferenciada dos quimioterápicos tradicionais: “Ela não causa citotoxicidade, ou seja, não é tóxica às células. O que observamos é uma mudança na forma como as células do sistema imunológico e do tumor se comunicam. Ela ajusta a produção de citocinas, substâncias que regulam a inflamação, promovendo um ambiente mais favorável à destruição do tumor”, destaca Rapôso.

A ação da molécula LW9 também se mostrou promissora em diferentes tipos de células tumorais, o que indica um potencial de uso mais amplo no futuro, inclusive em humanos. “Por atuar principalmente na modulação do sistema imunológico e não diretamente sobre a célula tumoral, ela pode ser eficaz em diferentes tipos de tumores sólidos, inclusive em casos nos quais outras terapias falham”, acrescenta a pesquisadora.

Desafios superados na pesquisa do novo método de combate ao câncer

A equipe da FCF Unicamp enfrentou uma série de desafios no desenvolvimento da tecnologia. O primeiro deles foi o próprio manejo da aranha-armadeira, um animal peçonhento e agressivo. “É uma aranha grande, neurotóxica, que exige técnicas específicas de coleta e manejo”, explica Rapôso. Além disso, seu veneno é uma mistura complexa de diversas moléculas, o que exigiu um exaustivo trabalho para isolar e identificar um único componente bioativo. Esta etapa contou com a colaboração do biólogo Thomaz Rocha e Silva, professor e pesquisador do Einstein Hospital Israelita, nas tarefas de coleta das aranhas e da extração e purificação do veneno.

Outro desafio importante foi assegurar que a molécula isolada pudesse ser reproduzida sinteticamente, eliminando a dependência da extração natural, etapa superada com êxito: “Conseguimos sintetizar a LW9 com a mesma estrutura, mesma sequência de aminoácidos e, felizmente, a atividade foi mantida. Inclusive, nos testes com tumor de mama, os resultados foram ainda melhores com o sintético: houve inibição quase total do crescimento tumoral”, explica a professora.

Os primeiros testes foram realizados com camundongos. A equipe agora se prepara para prosseguir os estudos com cães diagnosticados com tumores espontâneos, como linfomas e mastocitomas. “O objetivo é avançar para um estágio mais próximo da realidade clínica. Vamos testar a molécula em animais com câncer natural, para avaliar sua eficácia em um ambiente mais complexo”, detalha Rapôso.

A professora finaliza explicando que este avanço pode representar uma nova linha de combate ao câncer. “Ainda estamos no início, mas os dados indicam que é um caminho promissor. A ideia de que um veneno de aranha possa nos ajudar a tratar o câncer pode parecer surpreendente, mas é um exemplo claro de como a natureza, aliada à ciência, pode oferecer soluções eficazes para problemas antigos. Esperamos que, com os próximos testes, possamos dar mais um passo importante rumo a uma nova terapia”, conclui a pesquisadora.

Patente do novo método de combate ao câncer está disponível para licenciamento

O novo método para fortalecer a resposta imunológica contra o câncer teve a estratégia de proteção e o depósito da patente  feito pela Agência de Inovação Inova Unicamp e está disponível para licenciamento para uso comercial. Mais detalhes sobre este invento podem ser consultados aqui.

A tecnologia desenvolvida na Unicamp alinha-se diretamente a um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), o ODS 3 (assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades), em virtude dos benefícios que ela pode alcançar em um dos tratamentos clínicos mais desafiadores da medicina atual.